A cegueira noturna do caipira de Piracaia
Na década de quarenta, André morava em Atibaia e mantinha a Casa Recaredo. “Um dia, em minha loja de material de construção, entrou, no princípio da Segunda Guerra, um caipira bem caipira, de Piracaia, com um embrulho sangrento. Para ser gentil, perguntei o que era, ele disse: “é figo”, ele queria dizer que era fígado cru. Perguntei para que servia enquanto meu empregado melhorava o embrulho, ele disse que era “um porrete para os óio”. Achei estranho, perguntei o que havia com os olhos dele e como iria usar o fígado cru. Ele me disse que comia o “figo” cru porque ele “não enxergava de noite”. Ele comprou algo, foi embora e eu entrei para minha casa rindo da fantástica ignorância do caipira. Ironizei bastante seu defeito de “não enxergar de noite”, o que me parecia óbvio, se não houvesse luar. Dois anos depois, em manchete, eu li a noticia: Cientistas ingleses acabam de descobrir uma nova doença, a “cegueira noturna”, analisando o comportamento de pilotos de aviões de bombardeio ingleses. Essa deficiência, causada pela falta de vitamina “A” pode ser corrigida facilmente pela ingestão de fígado cru. Eu fiquei estarrecido. O esperto intelectual, que se divertia com as bobagens supersticiosas do caipira de Piracaia, tinha sido um pretensioso idiota. Muitos anos depois, escrevi um artigo me penitenciando da minha incompreensão e superficialidade. Eu sequer anotara o nome daquele homem, nem lhe pedira mais informações. Eu terminei meu artigo afirmando: Cientistas pensam que foram pesquisadores ingleses que descobriram a “cegueira noturna”. Não foram eles, foi um caipira de Piracaia”.