A cegueira segundo André e Saramago. Plágio ou coincidência?

Por volta de 1960, o escritor André Carneiro cobria os olhos com algodão e óculos escuros para melhor entender o universo de quem não vê. “Depois disso, dizia ele, olhava as teclas da máquina de escrever, mas, quando parava para pensar, estava sempre de olhos fechados”. A experiência fez parte de sua pesquisa para escrever “Escuridão”, seu conto mais conhecido no exterior. A semelhança entre esse conto, publicado em 1965 e Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago, publicado trinta anos depois, levanta dúvidas referentes à originalidade da obra de Saramago. Quem escreve é M.S. Neto

A semelhança da obra de Saramago com a de Carneiro é às vezes constrangedora. Grande parte dos temas de “Ensaio…” estão em “A escuridão”: apocalipse civilizatório, busca por comida, cegos de nascença, mudanças na forma de organização social. “Ensaio…” contou somente com a vantagem de ser mais longo. Dessa forma, teve mais fôlego para desenvolver outros temas e outras cenas marcantes. Mas a essência do livro de Saramago está toda contida no conto brasileiro. Na verdade, não seria exagero dizer que “Ensaio…” é uma mera releitura de “A escuridão”.

Talvez seja injusto acusar Saramago de plágio. Coincidências de ideias podem ocorrer a todo tempo em um meio criativo. De qualquer forma, é impossível deixar de ter certa vertigem diante dessa “injustiça” causada pelos descaminhos da literatura. Considerando o sucesso de “Ensaio…” o conto “A escuridão” mereceria o mesmo reconhecimento – se não mais, já que o precedeu. No fim, a melhor lição fica para o leitor: não espere que o Nobel ou que o Jabuti de Ouro digam o que você deve ler. Pode ser recompensador descobrir por si só um texto autêntico como “A escuridão”.

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