André Carneiro fotógrafo
Quando criança André brincava de tirar fotografias imaginárias com caixas de papelão vazias. Ainda garoto, por pura sorte de iniciante, entrou numa lotérica, jogou no bicho e ganhou dinheiro necessário para comprar sua primeira câmara fotográfica de verdade: uma Zeiss alemã. Começava ali sua inclusão na fotografia, atividade que exerceu durante toda a vida, mesmo com os problemas de visão que se agravaram com o correr dos anos. “Todo pintor começa pelo desenho. Fotógrafo precisa começar pelo preto e branco… Eu passei os primeiros anos aprendendo a enxergar as coisas em preto e branco. É um exercício difícil, equivalente a desmembrar o esqueleto essencial de qualquer tema, independente da cor. Em preto e branco, teoricamente, tudo pode se pintar, naturalmente se existir engenho… e arte”.
Desde o começo André fazia distinção entre fotografia documentária e fotografia artística: “apertar um botão e fixar um ser humano, uma flor ou um objeto, colocava a fotografia como arte secundária, fixadora de algo que o fotógrafo não tinha tocado…” Para André, “os fotógrafos começaram a criar um novo mundo fotográfico, desfocando quaisquer planos em busca de uma nova atmosfera. Modificavam a realidade, paralisando uma gota tombando… Esta é a fotografia artística, que só é possível pela participação ativa do fotógrafo/artista”. Sobre o processo de criação André dizia: “O tema surgia vivo no enquadramento dos meus olhos: uma parede esburacada com sombras, um reflexo de vitrine, em Nova York, dobrando o fantástico. Na fotografia artística o tema surge mais na cabeça do fotógrafo, que vai arrumar ou desarrumar uma realidade para criar uma obra pessoal. Toda criação tem uma vida própria, uma energia pulsando entre quatro molduras. Uma boa foto artística criativa é difícil descrever, ela tem de penetrar os olhos e dialogar pessoalmente com o observador”.
Para o fotógrafo francês Cartier-Bresson, “Fazemos uma pintura ao tirarmos uma foto”. Fotografia não é a representação espelhada do mundo; é o mundo a partir da técnica e da teoria desenvolvida pelo homem. “A poesia pode ser fotográfica. É indiscutível que uma foto eternize um instante poético. O fotógrafo, nesse caso, paralisa e aprisiona o momento”. Nos anos cinquenta André descobre o Cine Clube Bandeirante: “Eu morava em Atibaia, anos depois descobri que existia o Foto Cine Club Bandeirante, cujos sócios ganhavam prêmios em exposições estrangeiras. Daí a pouco, ao lado de Eduardo Salvatore e outros mestres, saíamos juntos para fotos artísticas exclusivamente…” O Foto Cine Clube Bandeirante é um dos mais antigos e importantes fotoclubes brasileiros.
Fundado em 1939, o FCCB ajudou a fundamentar o conceito de fotografia artística no Brasil. De lá saíram fotógrafos brasileiros famosos como Thomas Farkas, Geraldo de Barros, German Lorca, Eduardo Salvatore, Chico Albuquerque, Madalena Schwartz e José Yalenti, entre outros. Foi graças ao movimento cineclubista e à sua eficiente rede de comunicação que amadores da fotografia de diversas partes do Brasil puderam construir suas imagens livres dos padrões rigorosos do realismo fotográfico ao qual a fotografia havia se submetido desde o inicio. Foi mais precisamente a partir da década de quarenta que o FCCB introduziu na fotografia novos conceitos para a foto-arte, com seus salões concorridíssimos, exposições e museus antes exclusivos para pinturas e esculturas. Foi de lá que veio a “Escola Paulista” de fotógrafos que mudaram os conceitos de composição, estilo, recortes, etc… Em 1951 André Carneiro realiza a foto “Trilhos”, puro exercício estético, de caráter simbólico. Segundo André “fotografar uma praça de São Paulo com seis trilhos curvos de bondes, mas sem os bondes e sem pessoas, só o desenho dos trilhos brilhando, é exercício de modificação da realidade”.
Essa foto foi escolhida para identificar a criação do Modernismo Fotográfico no Brasil, e André Carneiro passou a ser considerado um dos precursores da Fotografia Moderna no Brasil. Até a década de sessenta, do século XX, André Carneiro realizou uma série de fotos, cujo ambiente, arquitetura e pessoas são de Atibaia e região. Esse material foi exposto pela primeira vez na cidade na 10 Semana André Carneiro, através do ExpoRua, museu de rua que circulou por diversos espaços de Atibaia. Apesar de sua importância para a fotografia brasileira André nunca se preocupou em dar visibilidade a essa sua faceta, não por um desejo consciente, mas por não se considerar profissional ou ainda por ter focado com demasiada paixão em suas outras produções.
Durante anos André acumulou negativos em caixas de papelão, devidamente etiquetadas. Somente em 2009 realizou uma exposição individual no espaço Pantemporâneo, em São Paulo, onde lançou o livro “Fotografias Achadas, Perdidas e Construídas”, onde entre relatos, causos e depoimentos narra um pouco da sua experiência como fotógrafo. Essa publicação, assim como a exposição, foram iniciativas de Valdir Rocha, organizador do evento. Para breve está prevista outra publicação, agora com curadoria do fotógrafo João Urban. Até o final de sua longa existência André manteve viva a paixão pela linguagem. Com pouco mais de 10% da visão suas últimas obras foram autorretratos e abstrações. “Eu cheguei na abstração, mas não como uma evolução final. Minha visão agora tem defeitos, enxergo muito mal, meu cérebro inventa coisas que não existem, principalmente à noite… Meus quadros e fotos abstratas são arbitrárias e questionam por si mesmas”.