Textos de criação

Seleção de textos, organização e apresentação de Osvaldo Duarte

BREVÍSSIVA NATOLOGIA

A Poesia de André Carneiro

Uma criação original

A afirmação de Flaubert segundo a qual estilo nada mais é senão “modo de ver” tem, como salienta Hugo Friedrich, implicações que não podem ser postas de lado quando se procura compreender o largo e ao mesmo tempo tortuoso caminho percorrido pela lírica moderna desde as últimas décadas do século passado. Largo porque abriga em seu leito numerosas e diferentes formas de manifestações que se foram sucedendo ou surgiram simultaneamente, oferecendo cada uma delas sua contribuição para o processo de renovação da poesia que, de um modo ou de outro, expressa de maneira particular e singularíssima os pontos nodais da crise de nosso tempo. Tortuoso porque, sendo aparentemente livre, abre para o poeta inúmeras sendas, obrigando-o a um processo de escolha que depende exclusivamente de seu gosto pessoal, uma vez que a tábua de princípios que orientará sua obra – a poética – é a ele mesmo que cabe conceber. Se é verdade que pode valer-se da tradição, não é menos verdadeiro que sua afirmação como criador está na dependência de sua capacidade de refazer, por sua conta e risco, o que lhe foi legado. Não é possível dissociar o trabalho do poeta da pesquisa permanente, da busca incessante de novas formas de expressão para dizer o inexprimível. Com efeito, é nesse quadro antitético que se desenvolve o processo de criação poética, o que explica o fato de ser a lírica de nosso tempo por vezes enigmática para o próprio poeta, cuja inquietude não pode compadecer-se com a aceitação de sentidos inequívocos. “Ninguém escreveria versos se o problema da poesia consistisse em fazer-se compreensível”, disse acertadamente Montale.

Os poemas de André Carneiro suscitam no leitor aquela sensação de estranheza que, segundo os estudiosos da teoria literária, constitui traço fundamental da criação original. Pequenos poemas em que não se evidencia o jogo das tensões formais, tal como costumeiramente o imaginamos, porque o poeta quebra a linha do confronto que sustenta o processo de comparação no ato criador e transpõe para o verso a metáfora em seu estado natural. É como se não houvesse a intermediação de uma técnica apurada para chegar à forma desejada, mas a simples transposição, o registro de uma câmera fotográfica capaz de apanhar instantes da realidade, exterior ou interior, dando-lhes vida própria, autônoma:

A solidão é um granito,
com o martelo
e um buril preto
escavo minha face
no bloco.

Essencialmente imagética, a poesia de André Carneiro, cujas reminiscências surrealistas constituem uma constante, apresenta temas e motivos recorrentes – erotismo, isolamento e solidão, o fluir do tempo – os quais se diluem na grande síntese de emoções que deixa no leitor a impressão de que o livro é composto de um só poema.

Biobibliografia Resumida

André Carneiro considera a obra poética como sua principal atividade artística, embora tenha se dedicado a várias artes. Como roteirista e cineasta criou e dirigiu filmes premiados no Brasil e no exterior. Trabalhou com cineastas como Abilio Pereira de Almeida , Roberto Santos, Júlio Xavier da Silveira e Carlo Pont para quem escreveu o roteiro sobre a vida de Meneguetti. Fotógrafo, pintor e escultor participou de vários salões nacionais e internacionais,tendo sido premiado no Brasil, Holanda e ltália.Como ficcionista, já foi traduzido em países como Espanha, Argentina, França, Inglaterra. Alemanha, Bélgica, ltália, Bulgária, Suécia, Japão e Estados Unidos.
É autor de inúmeros trabalhos, entre os quais constam, na poesia, Ângulo e face, 1949; Espaçopleno, 1956; Pássaros florescem, 1988; Virtual Realidade, 1992; Exemplos do insondável, 1985; Esculpir o silêncio, 1992; Curvas do uni verso, 1995, Indecisão indefinidas, 1995; Birds Flower, 199; Quânticos da incerteza, 2007 e Só dedos, 2009. Em prosa, publicou Diário da nave perdida. São Paulo: Edart, 1963; O homem que adivinhava. São Paulo: Edart, 1966; Piscina livre. São Paulo: Moderna, 1980; Amorquia. São Paulo: Aleph, 1991; Les Ténèbres, 1992; A máquina de hyerónimus e outras histórias, 1997; e no gênero ensaístico, Introdução ao estudo da Science-fiction. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura,1967, Manual de hipnose. São Paulo: Resenha Universitária, 1979, O mundo misterioso do hipnotismo. São Paulo: Edart, 1963.

Está presente também em antologias como Poémes du Brésil. Paris: Les Editions Ouvrières Dessein et Tobra, 1985, Pérolas do Brasil / Pearls of Brazil / Brazilia Gyëngyei. Belo Horizonte: Acad. Fem. Mineira de Letras, 1993, The modern brasilian poetry. São Paulo: Clube de Poesia do Brasil, 1954, em poesia, e em prosa, em antologias como Antologia internacionale de Fantasciencia. Milão: Casa Editrice Nord, 1987, Best sf, 72. New York: G.P. Putnam’s Sons, 1973, Det Nodvandigaste. Stockholm, Suécia: Delta Rörlags AB, 1978, Latino-America Fantástica. (La más moderna ciencia ficcion de los paises del América del Sur) Selecion de Augusto Uribe. Barcelona: Ultramar Editores, 1985, Lo mejor de la ciencia ficcion latinoamericana. Barcelona: Ediciones Martines Roca SA, 1982, Nova 2. New York: Walker and Company, 1972, Eine Antologie. Western Germany: Bastei Lübre, 1973, A New Selection. London: Robert Hale & Company, 1976 e Variations, a contemporay literature program. New York\London: Harcourt Brace Jovanovich,1975; Como Era Gostosa a Minha Alienígena!, 2002; Páginas de sombra: contos fantásticos, 2003; Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica, 2007; Os Melhores contos brasileiros de ficção científica, 2007; Futuro Presente, 2009 e Contos Imediatos, 2009.
A produção literária do autor desenvolve-se a partir do decênio de 1940, estando, pois, inserida na chamada fase esteticista do modernismo, segundo classificação de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Tendo publicado o primeiro livro –Ângulo e face – em 1949, isto é, um ano depois de ter sido pronunciada a primeira defesa pelo estabelecimento de uma geração de 45, passa a ser arrolado entre esses poetas, dentro do subgrupo dos novíssimos que reúne as vanguardas iniciadas nos anos de 1950 e outros poetas independentes.

Apesar do enquadramento temporal, não se pode dizer que esteja vinculado à ideologia literária ou ao projeto estético desse grupo, mesmo que acreditarmos na sua existência e na validade de tal classificação. Preferimos pensar não em termos de Geração de 45, mas na existência de uma literatura do Pós-Guerra, visto que se por um lado o resultado é diverso, por outro, toda a literatura dos anos de 1940, 1950 e início da década de 60 dependem de uma mesma força geradora. O resultado é diverso porque só então os nossos escritores conseguem lidar dentro de razoável autonomia com a idéia de modernidade, cujo princípio gerador é a rejeição de dogmas estéticos, a dissolução dos tabus e a defesa do pressuposto de que é necessário ser novo e ser diferente a cada dia.
Nessa atmosfera, o livro de estréia, Ângulo e face, editado por Cassiano Ricardo é recebido com grande entusiasmo por escritores e críticos como Sérgio Milliet, Murilo Mendes, Otto Maria Carpeaux, entre outros. Oswald de Andrade, por exemplo, fala de uma “continuidade modelar do Modernismo”. De fato, o livro explora temas objetivos versados por uma voz poética em situação de impasse frente às transformações sociais e tecnológica da época. Denuncia os avatares de um mundo novo advindo do pós-guerra, mas já dependente dos bens oferecidos pelo avanço tecnológico, problematizando, frente a isso, a angústia e insegurança do homem moderno, de acordo, aliás, com um momento em que a demanda literária acentua-se não apenas sobre o projeto estético, ou sobre o projeto ideológico, como se via no início da década de 40, mas principalmente entre “o tradicional” e “o moderno” em literatura, num movimento de total obsessão pela técnica.

Quanto aos assuntos de seu interesse, chama a atenção o enfoque psicossocial da realidade. Atualmente, costuma-se dizer que o romancista canadense Willian Gibson é um pioneiro nesse sentido. Em 1984, escreveu o livro Neuromancer em que descreve, num cenário futurista, uma sombria e apocalíptica cidade ocupada pelos cyberpunks, gangs nômades que experimentam ligações perigosas entre seus cérebros e os computadores, implantando chips em suas próprias cabeças. Mas lembremo-nos: André Carneiro inicia-se nessa aventura ainda nos anos cinqüenta, primeiro, em seus contos, e não demora muito para que essa temática seja incorporada por sua poesia. Sem desprezar os temas universais, funde o passado, o futuro e o presente exibindo uma realidade em que são possíveis as intervenções microbiônicas, fusões entre homem e máquina num mundo onde a natureza está baseada e é dependente da tecnologia.
Não chega a idealizar um universo futurista, mas inclui em sua oficina uma espécie de sensibilidade eletrônica que busca lirismo no chip, nas antenas, no computador e tenta mostrar, com lente de aumento, realçando certas particularidades e certos aspectos extremos, o próprio mundo onde vivemos.

Passados mais de quarenta anos desde a estréia, alcança a partir de 1990 o seu momento de produção mais intensa, assinalando que a marca principal de sua escritura é a provocação. Hoje, aos 80 anos, é a cada dia mais surpreendente: um intelectual cujas atitudes de irreverência pessoal e literária nos espanta e cria complexos. Na maior parte do tempo é um menino assustado… Todos os dias, talvez para sentir que pode, desliza velozmente pelos vários lances de escada para sair ou chegar ao apartamento da rua Lauro Müller, onde mora, e sentimos nele uma vontade louca de fazer coisas inusitadas e surpreendentes, rindo com os outros e de si mesmo. Depois, estuda física, astronomia, parapsicologia, faz poemas, quadros, móbiles mirabolantes que fixa no teto e nas paredes do apartamento, espiona os astros no céu, e de tardinha, enquanto corremos atrás do dia que se vai, André olha para o oeste, pratica ioga, e como se fosse uma bailarina, mais poema que músculos, limpa das palavras os gestos rudes, porque o dia voltará ao leste e a poesia não pode esperar.
Vamos a ela.

Cabine escura

Pinço palavras
da infância,
limpo com ácido,
corto pernas
na serra circular.

Tinjo de vermelho
o pênis
deste micróbio,
o bisturi acerta
a memória,
letras descompõem
o mapa.

Na sala escura
termino o verso,
jogo no hipossulfito,
até seus lábios
tremerem
no branco
das entrelinhas.

Telefone calado

Se as partículas sub-atômicas
são erráticas,
Deus é o acaso,
bebê curioso,
nascido no próprio “big-bang”,
traçando as curvas do universo
e humanos de barro,
matéria suja e imprópria.

Arte é vampiro,
depois de alguns versos
fico exausto a traçar letras,
transponho uma porta,
vaga, estreita e torta,
firo o peito e entro.

Fragmento coisas
porque o linear está perdido.
Cada pensamento junta pedaços,
meu intento é um abraço morno,
sem palavras.

No telefone calado
ouço ruído de grilos no espaço,
ou o grito em código,
de ocupado.

Testemunhas falsas

Não conto histórias com eficiência.
Descrevo pela retina a frente
enquanto a escuridão domina as costas.
Toda a coerência é falsa.
Serve para discursos
e a matemática primária.
São erráticos os números quânticos,
o pensamento se arrasta
no oceano de náufragos e sereias.

Recrio o vazio do sonho,
coleciono restos de tempestade,
pinto de vermelho as nuvens,
falo para plantas catatônicas,
copio neste micro trêmulo,
dedo a dedo,
a indecifrável mensagem.

Não há sinceridade
nem digo o real, o certo, a verdade.
Nu, ainda recolho o ventre
e nem sei o que penso do que fiz ou faço.
Para o retrato dos outros
tenho as minhas lentes,
meu espelho se esvanece neste banho de ácido,
onde respiro e sobrevivo há tanto tempo.

Histórias feitas de palavras obedientes
vestem o ritmo destes versos,
testemunhas falsas,
só decoram, repetem e representam.

A lágrima escorre, arrasta micróbios,
derrete e se espalha fora desta sala
no ar anônimo e transparente,
respirado pelos pássaros, animais
e outros viventes.

Depois do prazer

Depois do prazer vem o ovo e germina.
Um pássaro despenca do céu,
liquida a dourada juventude do inseto.
O dedo do meu pai sempre
foi um chicote atrevido.

Um demônio muito calmo
traçou a curva do caminho.
Eu sentia o bisavô presente,
o catecismo tatuado no peito.

Resolvi crescer e acreditar nas flores.
O futuro se infiltrou nas minhas frestas,
redigi um discurso sincero,
letras velhas pintadas de branco.

O riso soluciona problemas,
também o muro soterrando aquele dia.
Um momento glorioso
escorre pela veia aberta.
O depois pula na
garganta sem aviso,
eu me sento na almofada
com três furos de bala,
nem sequer pergunto pela saúde
da imperatriz no retrato.

Delicadamente acaricio
a foice recurva
com a ponta do dedo,
esperando impávido
a torrente de sangue
pintar a sala de vermelho.

Aquele momento

A esfinge me sorri
com a boca torta.
Quero possuí-la neste
lençol de areia,
arrancar um gemido
em lugar da resposta.

Que tolice esta procura
atrás da porta.
A finalidade é o rastro,
o intervalo entre
o ponteiro e a hora.

Procuro um pote de ouro
no fim do arco-íris.

A morte não existe,
filmes da minha infância
nunca envelheceram.

Sinto um estranho
divórcio com minha
figura no espelho.
Entre grades
do sanatório,
jogo pela janela
minutos de ouro,
imaginando
o momento supremo
que ainda
não veio.

Bisturi cego

Tetraciclina, cannabis,
conservante, anfetamina,
nicotina, café preto e a
fumaça do carro à gasolina,
vinho vermelho, o banheiro,
o brilho, a fresta.

Tiro rótulos, ponho na história,
esculpo um monstro de cera,
limpo a memória, deslizo exemplos
do insondável.

O bisturi da caneta é cego.
Opero sem anestesia.
Dançam agulhas na cabeça,
desespero é imagem
do vampiro no espelho.

Embarco no fato,
o dicionário fabrica drogas,
sou anônimo fraco e me trituro,
aqueço no bico de Bunsen,
derreto veneno, amor e mortalha.

Às vezes, um beijo

A solidão é um granito.
Com o martelo
e um buril preto
escavo minha face
no bloco.

A solidão é um coágulo.
Não serve o bar repleto
nem o leito dos outros.
Cubro a agulha de vermelho
e soldo a veia.

Há um espelho, o telefone,
carta matutina no correio.
O encontro face a face
é uma roleta,
os números da cabeça
não são aqueles do acerto.

Esta é a função do poema,
desvendar o nascimento
do desejo, boca infantil
pedindo a pedra do turbante,
asa conquistando himalaias,
às vezes um beijo,
que não veio.

No fim da página

Há momentos que eu entendo.
Um olhar risca a minha face,
os dentes de meu pai rindo,
esta dor ciática
de abelhas assassinas,
o inconsciente é o lago dos demônios.

A caneta, morna e lenta me acompanha
nesta tarefa de traçar o mapa,
traduzir a gota deslizando pelas veias.

O que fazer ao abrir a porta
e encontrar um espaço de planetas?
O encontro dos humanos
segue regras fixas.
Ninguém cheira como os cães no cio,
há vários sorrisos e frases construídas,
os desejos inconfessáveis
pendurados na garganta
exigem consultas jurídicas.
Pêlos
só médicos eliminam
para o bisturi encontrar
os caminhos vermelhos.
Sou um computador idiota.
Repito palavras soltas
esperando que combinem.
Não posso escrever o poema
no momento do fato,
real ou abstrato.

Desenterro cadáveres.
Faço tardias autópsias,
olho o passado que se afasta,
pego o martelo cego e amasso os ponteiros
para fixar as horas.

O Juiz é objetivo e delicado.
Quando eu fiz, com qual intenção
e onde está a arma?
Não sei apontar latitudes no calendário.
Uso minutos de um segundo ou milhares.
Intentos claros não distingo neste armário cheio.
A arma do crime pode ser alquímico veneno,
palavras sibilantes cortando os nervos
ou até o silêncio.

Confesso-me culpado.
Todos nós somos.
Também, inevitavelmente,
jogo o magistrado e seus capangas
em um tanque de ácido,
saio pelas portas do agora
e recomeço a busca,
dicionário preparado para eventos e promessas,
à espera do tiro de misericórdia
que liberta a alma para o espaço,
ou termina o verso com um ponto,
no fim da página.

 

“ESPAÇOPLENO” – O QUE VOCÊ NÃO SABIA.

Carlos Alberto Pessoa Rosa

A profissão médica muitas vezes nos contempla com agradáveis surpresas. Foi o Sandoval, quando eu cuidava de sua sogra, quem me apresentou o “ESPAÇOPLENO”. O livro, com poemas de André Carneiro, e produzido em março de 1966 pelo gravador Luis Díaz, é fruto de uma experiência gráfica com xilografias originais, e não cópias fotografadas e transformadas em clichês. Era chefe das oficinas da revista dos tribunais na época o Bruno Tolla, o que facilitou a realização da idéia. Luis Díaz elaborou xilogravuras em madeira, com a espessura de um clichê, que foram diretamente para a máquina, exigindo alguns acertos com minúsculos calços, o que resultou na produção de um livro em que todos os exemplares traziam xilogravuras originais, um fato inédito no Brasil e talvez no mundo. Para quem se interessar em proteger a memória de nossa literatura, o Luis Díaz – que Deus me proteja de todos os impropérios – tem as matrizes.

Podemos reviver a idéia do projeto, e seu constructo, através da correspondência que mantive com ele, publicada no http://www.meiotom.art.br/andpl1.htm

Carlos do quê? Gosto de nomes todos. Sim, tenho as matrizes. Não dou, não vendo, eu as amo. Foi um trabalho feito para a obra de um amigo querido, na casa de quem fiz entrar morcegos, coisa que ele negava que eu fosse capaz! Mas a real validade do livro – claro, me refiro à forma, não à poesia do André – não está nas ilustrações, senão na diagramação, também de minha autoria. Sempre tinha me  incomodado ao ler poesia a falta de ar entre uma e outra. Achava eu, e acho ainda, que cada poesia é um fato artístico isolado e que, como um quadro, por exemplo, precisa de moldura e espaço em volta. Dai ter proposto uma coisa até então, ao que me consta, inédita: que cada poesia, além de ter sua ilustração (hoje seria uma expressão multimídia, né tchurma?), teria sua própria diagramação, com tipos e (im)paginações particulares. Desta forma, o leitor deveria descobrir também o como ler cada uma (vira de um lado, vira do outro), com isso haveria uma certa distância e uma intimidade diferente com cada uma delas. E seriam impressas em folhas isoladas, para serem lidas abrindo de esquerda para a direita. Quando contei ao Bruno, ele disse alguns palavrões, referiu-se a estado de insanidade mental de certos uruguaios e, como tinha impresso as xilos do grande, grandíssimo, Alex Lescotchek (sei lá se é assim que se escreve, podia ver mas tenho preguiça), decidiu que se alguém era suficientemente doido para fazer as xilos, não seria ele que iria dar pra trás. Foi feito. Alguém, não conto quem, chamou de caixa de bombons, e era elogio. Foi impresso o livro no papel mais pobre da época, creio que pluma, e encadernado em capa de resma sueca! Pobreza metida à sofisticada, que deu um resultado inaudito, e na minha opinião, a vaidade que vai se coçar, muito bonito. Era amarrado no todo, com uma fita de gorgurão 25 de março, autêntica, da pontinha, se sabes o que é isso.

 

Luis Díaz

Um detalhe curioso sobre o livro é lembrado pelo André Carneiro: um amigo jornalista foi na Biblioteca Municipal de São Paulo solicitou o livro. O encarregado informou que essa obra pertencia ao “ARQUIVO DE OBRAS RARAS” e que, para ser manuseado precisava de uma justificativa por escrito e autorização do diretor.

Obra rara, construída dentro de um projeto criativo, quando o país passava por mais uma crise institucional, realizada por pessoas vivendo na mais poética clandestinidade, assim é ESPAÇOPLENO, com poemas de André Carneiro e trabalho gráfico de Luis Díaz. Quem sabe, a iniciativa privada, através de suas fundações culturais (Itaú, Petrobrás etc.), abrace a idéia de, junto a Luis Díaz e André Carneiro, reconstruir essa obra do passado.